Amores e desamores
Reinados no Hospital Termal Rainha D. Leonor
Se pelas águas nasceu o Hospital Termal de Nossa Senhora do Pópulo, foi pelo amor ao próximo que uma Rainha criou as condições para a construção e subsistência ao longo de mais de 500 anos, daquele que viria a ser considerado como o primeiro Hospital Termal do mundo.
“Aquela Rainha, tão portuguesa, e é a mais nobre personificação do amor ao próximo.” Júlio Castilho
Ainda que o seu amor pelo Rei D. João II não se tivesse constituído como um romance digno de novela, a manifestação do sentimento assumiu-se como marca da “Princesa Perfeitíssima”, pela prática constante de misericórdia e mais virtudes cristãs.
Ao nascer, foi destinada a João II de Portugal – o “Príncipe Perfeito” – por vontade e promessa de seu tio Afonso V. Casou com o primo direito a 22 de Janeiro de 1470 quando tinha apenas 12 anos de idade, e o noivo 15. O seu casamento com D. João II esteve envolto de muitas questões complexas, para além da infidelidade do rei, muitas foram as tragédias que abalaram a rainha, desde contendas familiares, onde se atestou o envolvimento do marido no assassínio do seu irmão e execução do seu cunhado; e a cruel morte de seu filho, numa queda de cavalo junto ao rio.
Não deixou no entanto que todos estes acontecimentos assombrassem o seu amor e bondade para com os indigentes e enfermos, que conjugado com outros factores, terá conduzido à fundação do Hospital de Nossa Senhora do Pópulo, que surgiu associado a um movimento de reformulação de assistência ao pobres e doentes do país, e o que de acordo com alguns historiadores terá funcionado como ensaio para aquela que viria a ser uma das suas maiores obras – as misericórdias.
Também as artes foram outra das paixões da rainha, tendo promovido a importação de obras de arte e dirigido inúmeras encomendas a mestres e autores portugueses na pintura, escultura, arquitectura e literatura. O seu envolvimento na promoção cultural traduziu-se ainda na protecção concedida a Gil Vicente e Damião de Góis.
A Rainha D. Leonor faleceu no seu Paço de Xabregas, nos arredores de Lisboa, junto ao convento do mesmo nome. Quis ficar sepultada no Convento da Madre de Deus, em campa rasa de pedra, num lugar de passagem para que todos a pisassem, gesto que demonstra a grande humildade da rainha, e que emociona. No fundo quis a monarca que o seu gesto mostrasse aos que por ali viessem a passar, o sinal da pequenez das coisas do mundo diante da eternidade.
Foram vários os Reis que passaram pelo nosso Hospital mantendo uma proximidade na gestão e reformulação do complexo termal, sendo alguns mais marcantes.
No que concerne a amores, D. João V merece especial destaque. São sobejamente conhecidas as suas aventuras e desventuras amorosas, as quais, ao contrário da Rainha D. Leonor, foram várias vezes dignas de registo em novelas.
“O Rei-Sol Português”, em virtude do luxo de que se revestiu o seu reinado. Diz Veríssimo Serrão em «História de Portugal» que «era senhor de uma vasta cultura, bebida na infância com os padres Francisco da Cruz, João Seco e Luís Gonzaga, todos da Companhia de Jesus. Falava línguas, conhecia os autores clássicos e modernos, tinha boa cultura literária e científica e amava a música.»
Reinando no auge do Século XVIII, período de grande prosperidade nacional, não terá sido apenas por amor, tal Rainha D. Leonor, que D. João V empreendeu um conjunto de obras no Hospital Termal de Caldas da Rainha, das quais pouco restou do edifício primitivo. Desconhece-se aliás que alguma história amorosa esteja associada a esta obra, tal como esteve com a construção do Palácio de Mafra, em torno do qual são várias as especulações associadas, ganhando destaque a promessa feita pelo Rei a Deus de que edificaria um convento em Mafra no caso de lhe nascer descendência no prazo de um ano a contar daquela data.
O primeiro amor do Rei terá sido aos 15 anos por Filipa de Noronha, dama da Rainha Maria Sofia de Neuburgo, mãe do fogoso príncipe. Cheio de promessas de amor eterno e até de casamento, acabou em desilusão quando se deu o arranjo para o grande casamento do Rei. D. João V viria a casar-se com D. Maria Ana de Áustria em 1709, mas o seu coração transbordava de muito amor, e segundo o historiador Oliveira Martins, “D. João V perdia a cabeça por todas as mulheres, mas a sua verdadeira paixão estava em Odivelas, no ninho da madre Paula”. A verdade é que nesse tempo a vocação era uma das últimas razões para que as mulheres dedicassem a sua vida a Deus, e as visitas aos conventos faziam parte da regra social. Paula Teresa da Silva e Almeida, a famosa Madre Paula, foi a mais famosa das amantes do Rei. Conheceu o primeiro amor de sua vida no convento, o conde de Vimioso, porém, foi com o rei português D. João V que ela viveu o seu caso mais avassalador e duradouro. Como era seu costume, o Rei não fez segredo desta paixão que se tornou conhecida de todos, incluindo a Rainha. E, como também era sua prática, recompensou ao longo de vários anos, generosamente a sua amante. Ainda que várias vezes advertido pelo médico para que repousasse à noite, nem por isso o Rei acatava tais recomendações e continuaria a alimentar o seu espirito ardente.
Após a Madre Paula, seria D. Luísa Clara de Portugal, casada com D. Jorge de Menezes. As visitas a esta eram feitas aquando das ausências do seu marido e filhos para o Algarve. Ficou-se o epíteto de Flor da Murta, extensivo ao palacete onde habitava. Mas D. João V não se ficava pelas visitas a D. Luísa, também galanteava uma das suas criadas, chegando mesmo a nomear o irmão desta, sapateiro de ofício, como diplomata junto da Santa Sé, em Roma.
A última das amantes de D. João V, por volta dos seus 50 anos, terá sido a cantora de ópera Petronilla Basilli. Procurando manter-se à altura do desempenho requerido, o rei começou a tomar afrodisíacos.
Algum tempo depois começou-se a murmurar que o Rei estaria “acabado”, dedicando-se então a gestos de beneficência. Amante também da música e literatura, o rei impulsionou diversos serões musicais e literários. Incentivou a vinda de autores estrangeiros, a compra de livros, a construção de bibliotecas e introduziu a ópera italiana em Portugal. E a sua acção mecenática é marcada por forte religiosidade e espirito de fé, revelada nas ofertas de arte sacra e objectos litúrgicos às Igrejas de todo o país, como se comprova na valiosa doação destinada à Igreja de Nª Senhora do Pópulo, feita em 14 de Agosto de 1742.
O rei fez ainda nos últimos anos de vida, mais doze jornadas às Caldas da Rainha, para convalescer e descansar. Mas gradualmente adoeceu cada vez mais. Em Julho de 1750 piorou, vindo a falecer em 31 de Julho de 1750, após mais de quarenta anos de governo. Ao morrer, o rei tinha a seu lado a rainha e o príncipe D. José. Foi sepultado no Panteão dos Braganças, ao lado da esposa, no mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa.
D. Carlos será o Rei reinante que marcará outro dos períodos mais relevantes na história do Hospital Termal Rainha D. Leonor, o século XIX. Período esse em que se verificou um entusiasmo socioeconómico sem precedentes, e em que as visitas da família real se tornam constantes nos meses de Verão, desencadeando-se dinâmicas de grande aparato social. Tornou-se óbvia a necessidade de modernização da estância termal, que incluía a separação entre balneário e hospital, para que o estabelecimento balnear fosse apenas destinado à aplicação terapêutica das águas.
Sob a alçada de Rodrigo Maria Berquó surgiu um projecto bastante ambicioso, que previa a construção de um novo edifício hospitalar, o designado novo Hospital Real D. Carlos. A troca de correspondência oficial comprova o pedido ao rei para dar o seu nome ao hospital, cuja autorização se verificou, quer para o hospital, quer para o parque arbóreo que envolvia o mesmo e que ainda hoje se mantém como ex-libris da cidade, Parque D. Carlos I.
O rei D. Carlos I foi considerado uma individualidade artística, homem de ciência, destacando-se também a nível da prática desportiva como equitação, caça e pesca. Demonstrou grande paixão pelas belas artes, distinguindo-se na aguarela e no desenho a pastel, ganhando diversas medalhas e diplomas. O seu reinado foi marcado por acontecimentos que anunciavam o fim da monarquia, como o Ultimato Inglês, revoltas no ultramar e a revolução republicana.
Em meados de 1880, a princesa Maria Amélia ficou destinada a D. Carlos, o Duque de Bragança, o casamento funcionaria para unir as linhagens austríacas e espanhola. Ainda assim, ficaram relatos de que, D. Carlos dono de cabelos loiros encaracolados terá conquistado o coração de Amélia logo que a viu pela primeira vez. A jovem descrita como gentil e carismática, também terá feito os olhos do duque brilharem. Em pouco tempo, os dois ter-se-ão apaixonado, e o seu casamento terá sido feliz.
O rei D. Carlos I enfrentou diversas crises no seu reinado, lutando contra a insatisfação popular Amélia fez um trabalho exemplar, com sua influência na corte portuguesa, a elegante monarca tentou erradicar a pobreza e a tuberculose. Mulher extremamente humana, chegando a assistir pobres e doentes nas suas próprias casas. Fundou a Assistência Nacional aos tuberculosos, que deu apoio às classes necessitadas. A bondosa rainha procurou garantir a prosperidade desta grande obra de humanidade.
Na tragédia de 1 de Fevereiro de 1908, em que foram assassinados o rei D. Carlos I, e o príncipe real D. Luís Filipe, seu filho, terá ela tentado impedir a desgraça, tendo a coragem de se impor, mas infelizmente não conseguiu.
“Embora francesa de origem, tornou-se portuguesa pela afeição à sua Pátria adoptiva, que a ela se prendeu com todos os afectos. Era esta afeição que lhe aprimorava a alma e o coração.”; Padre José Correia da Cunha