Março 2021


Núcleo Museológico

A fundação do primeiro hospital de Peniche deve-se à Confraria do Corpo Santo, fundada pelos mártires de Peniche a 31 de Março de 1505.

“A irmandade, ou Confraria do Corpo Santo, foi vivendo no seu labor de bem-fazer, prestando culto a Deus e atendendo às muitas necessidades do povo em proveito e bem comum de todos, até porque, desde a sua fundação, foram grandes os sofrimentos da população, passando pelos violentos efeitos de vários terramotos e devastadoras epidemias. Assim, para cumprimento dos seus objectivos, sendo que a construção de um hospital era coisa verdadeiramente indispensável, resolveram os Irmãos, com os óbolos que iam sendo arrecadados e também com a reconhecida participação de todo o povo – sempre generoso, é bom dizê-lo-, construir, em 1617, um hospital, tal como ainda hoje o testemunha uma pedra a servir de verga à porta que dá para a secretaria da Santa Casa da Misericórdia de Peniche, ao lado da porta principal da Igreja da Santa Casa e onde se pode ler:

ESTE OSPITAL SE POBRES SE FES COM ESMOLAS

DESTE POVO E MESA DO CORPO SANTO COMECOVSSE

A OBRA A 2 DE ABRIL DE 1617”

Com a fundação da Misericórdia de Peniche no ano de 1626, tendo como primeiro Provedor D. João Gonçalves de Ataíde, a Irmandade de São Gonçalves Telmo, num gesto de profunda solidariedade e como forma de garantir os recursos necessários ao funcionamento do seu hospital, coloca-o à disposição da nova obra social. Através da nova gestão pela instituição recentemente criada pela Rainha D. Leonor, foram assim garantidos os apoios sociais e de saúde a todos os necessitados, bem como ainda o patrocínio cultural para a Igreja vizinha, dos magníficos quadros de Josefa de Óbidos e de seu pai, Baltazar Gomes Figueira.

A par com o hospital do Corpo Santo, e depois da Misericórdia, funcionava em Peniche um outro hospital de menores proporções destinado a assistir a guarnição militar do regimento que então funcionava em Peniche. Embora fosse destinado apenas a prestar cuidados de saúde à guarnição militar, é certo que muitas vezes terá funcionado um regime de cooperação entre as duas unidades hospitalares, particularmente com a intenção, solidária, de combater o flagelo das epidemias que em várias épocas fustigaram gravemente a região.

No entanto, apesar de toda a entreajuda, em 1699 numa altura em que o hospital militar não tinha capacidade de assistir a todas as necessidades dos soldados doentes, o então governador Marechal Vasco Fernandes César de Menezes, propõe a celebração de um acordo com a Misericórdia, a fim de esta se obrigar a assistir os militares em troca de um pagamento mensal de 30 réis por cada soldado, acrescendo ainda do soldo correspondente aos dias em que os doentes ficassem hospitalizados. Fazendo-se notar nesta altura uma influência dos oficiais da guarnição militar na gestão da Misericórdia, o acordo foi inicialmente aceite. Todavia, inesperadamente, a Santa Casa acaba por comunicar o não interesse pela proposta feita, levando o próprio Rei D. Pedro II a dirigir-se ao escrivão da vedoria da Praça de Peniche, ordenando-lhe que diligenciasse junto do provedor e irmãos da Misericórdia para que “no seu hospital aceitem os soldados enfermos aplicando se lhes para seu sustento e cura a contribuição de 40 re(i)s por mês, que se há de descontar a todos os oficiais e soldados e juntamente o soldo dos dias que estiverem no hospital, com que se entende não ter detrimento a Caza da Misericórdia, maioritariamente tendo nesse tersso surgiam (cirurgião) que há de assestir aos doentes e medico com partido e a esta ordem dareis cumprimento como nella se contem, da qual se tomara rezão, na contadoria”. No entanto nem mesmo esta proposta foi aceite, mantendo-se o problema até 1837 quando a Misericórdia acaba por aceitar uma proposta provavelmente influenciada pela situação politica de então (guerras liberais e absolutistas), tendo de cumprir uma determinação do então comandante para 1ª Divisão Militar.

Por volta de 1831 as instalações do primitivo hospital encontravam-se bastante degradas, tornando-se necessário remodela-las para que as obrigações assistenciais pudessem ser cumpridas.  Em 1911, após a instauração da República, apesar da perda e quebra de algumas das fontes tradicionais de rendimento, a Santa Casa da Misericórdia consegue criar instalações para um albergue e recolha de doentes idosos. Em 1930 foi possível melhorar a assistência hospital através do legado deixado pelo Dr. Pedro António Monteiro e com a colaboração da Liga dos Amigos do Hospital.

Outro marco da história deste hospital dá-se em 1937 com a criação daquele que foi o primeiro Centro Cirúrgico do distrito de Leiria e um dos primeiros instituídos do país, sob a orientação do Dr. Ernesto Moreira.

Com a reforma das políticas assistenciais que ocorrem por todo o país em Abril de 1974, o Estado passa a assumir a responsabilidade da prestação dos Serviços de Saúde a toda a população, passando o Hospital de Peniche a ser directamente administrado pelo Estado, cabendo-lhe pagar à Santa Casa da Misericórdia uma renda mensal pela utilização das respectivas instalações. Serão várias as Comissões Instaladoras que se elegerão a partir desse momento objectivando a resolução de problemas identificados no funcionamento do hospital e Centro de Saúde.

Será em 16 Janeiro de 1981, pela Portaria nº65/81, que o Hospital de Peniche passa para o âmbito da competência da Direcção-Geral dos Hospitais. Esta portaria será revogada em 31 de Maio de 1983 passando o Hospital Concelhio de Peniche para a competência das administrações regionais de saúde do distrito de Leira.

Em 1986 é inaugurado o novo edifício, passando a ter uma capacidade de 100 camas destinadas à Medicina, Cirurgia, Pediatria e Obstetrícia, com serviços de S.A.P./Urgência, S.O. com 3 camas, RX, Laboratório, Farmácia, Lavandaria, Cozinha, Bar, Biblioteca, Atendimento com Balcão, Secretaria, Gabinetes de Administração, Gabinetes de Saúde Pública e Gabinetes de Consulta para Planeamento Familiar, Saúde Materna, Saúde Infantil, Enfermagem e Vacinação. Após alguns anos de organização de serviços e compatibilidades com o Centro de Saúde, foi, em 19 de Janeiro de 1987, por despacho do Ministro da Saúde, criado o Hospital de Peniche classificado como Hospital de Nivel 1. No despacho de 24/11/94 o hospital passa a designar-se como Hospital de S. Pedro Gonçalves Telmo, em homenagem ao patrono da antiga Irmandade de S. Pedro Gonçalves Telmo ou Confraria do Corpo Santo.

Será integrado no Centro Hospitalar Oeste Norte em 2009 pela Portaria nº83/2009 numa medida de reorganização de serviços e complementaridade assistencial entre as unidades hospitalares existentes. Em 2012, pela portaria 276/2012 o Centro Hospitalar de Caldas da Rainha, O Hospital de São Pedro Gonçalves Telmo e o Hospital de Torres Vedras passaram a constituir-se como Centro Hospitalar do Oeste, mantendo-se até hoje.

É no contexto apresentado que surge em 2002, pela iniciativa da Dra. Maria José Oleiro, Administradora-Delegada do Hospital de Peniche, um núcleo museológico do Hospital de Peniche. É inaugurado pelo então Presidente da ARS, Dr. Fernando Andrade a 2 de Outubro do mesmo ano.

Era Inicialmente constituído por duas áreas de exposição, uma principal e outra com caracter rotativo. O núcleo principal mantém-se e exibe um gabinete médico e várias peças antigas, pretendendo dar uma visão do passado desta unidade de saúde. A exposição temporária tinha como objectivo dar a conhecer outras áreas e serviços hospitalares.

Por Pe Filipe de Sousa

Sempre os mártires foram lembrados na Igreja Católica. Entre eles tem lugar de destaque o mártir S. Sebastião. Ainda jovem, é martirizado numa das muitas perseguições contra os cristãos do imperador romano Dioclesiano, que manda atar o jovem soldado a uma árvore e cravejar o seu corpo de inúmeras setas, deixando-o padecer em lenta agonia.  

Habitualmente o martírio, mais do que a morte sumária, envolve um processo prévio de sofrimento cruel, injustiça gritante e ódio ignóbil, que cega e seduz as multidões, em particular os homens de poder. Lembremo-nos da Paixão e Morte de Jesus, o primeiro dos Mártires, que carregou a cruz pelas ruas da cidade santa de Jerusalém enquanto era açoitado e humilhado por muitos homens e mulheres, enquanto outros assistiam impassíveis. Mas a morte de Cristo não foi o fim da Sua Vida, o Pai deu-lhe novamente a Vida ao remover a pedra do sepulcro e O ressuscitar dos mortos. Como escreve S. João no Evangelho, que é proclamado, solenemente, em todos os Domingos de Páscoa: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena vai ao sepulcro, de madrugada, quando ainda estava escuro, e vê que a pedra fora retirada do sepulcro. […] Então, entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: e viu e acreditou. Pois ainda não tinham compreendido que, conforme a Escritura, ele devia ressuscitar dos mortos” (Jo 20, 1.8). 

Na verdade, era necessário que Cristo sofresse e morresse para nos mostrar o infinito amor de Deus por nós, que nos entregou o Seu próprio Filho. Este, por sua vez, entrega-se ao Pai, doando-se a toda a humanidade. Em rigor, como a espiritualidade cristã fez sempre notar, o martírio de Jesus é a Sua Paixão ao Pai e a todos os homens. De tal maneira, que a ressurreição é prometida a todos aqueles que acreditam n’Ele. A pena dá lugar ao mais importante da vida: o amor.

O martírio atualiza na história aquilo que é a morte e ressurreição de Cristo, a Sua Paixão, a esperança da vida nova que a Páscoa celebra, o amor que vence a morte, em qualquer circunstância. Santo Ambrósio, na pregação que desenvolve a propósito da memória litúrgica de S. Sebastião, escreve que “a muitas perseguições correspondem muitas provações: onde há muitas coroas de vitória tem de ter havido muitos combates”.

Os tempos conturbados que vivemos são também de perseguição: perseguição àquilo que tínhamos como garantido. A Páscoa de Jesus que nos preparamos para celebrar dentro de dias não vai acabar com a pandemia, mas quer renovar a nossa resposta: o amor e confiança em Deus que nos dá a vida e promete a vida. Esta é a “vacina” gratuita e eficaz contra todas as perseguições e combates, cujo testemunho vivo nos deixou o mártir S. Sebastião.  

Santa Páscoa. Cristo ressuscitou: Aleluia, Aleluia!

Ermida de S. Sebastião:

De autoria de Bartolomeu Antunes (1688-1753) e Nicolau Freitas (1703-1765), os painéis azulejares que revestem as paredes até à cornija ostentam representações da vida de S. Sebastião, desde a sua condenação, prisão, martírio, até à sua glória. De destacar a grande capacidade ornamental do azulejo que define o envolvimento arquitectónico, perspectivando cenários da vida do orago adornados por armas, troféus, palmas do martírio e setas emblemáticas.

Descrição dos painéis: Painel Historiado representando a “Vida de S. Sebastião”

Duas figuras: a da esquerda parece dormitar; a da direita reza ajoelhada

Com enquadramento danificado pela construção posterior de um coro, ladeiam a porta da parede fundeira dois painéis representando duas figuras humanas: a da esquerda, por cima da pia de água benta, parece dormitar tranquilamente sobre um livro fechado, segurando uma cruz no regaço, a da direita, reza ajoelhada aos pés de um pequeno altar, sobre o qual há um Cristo Crucificado, dois livros e uma caveira. Na parte inferior de ambos, as palmas do martírio.

Aparição do Senhor dos Sete Anjos a S. Sebastião

Enquadrada por pilastras rectilíneas ornamentadas com panóplias, a aparição do Senhor dos Sete Anjos a São Sebastião. Mutilada a parte superior pela introdução de um coro no tempo de D. Maria I que, em 1786 permaneceu com a corte nas Caldas e fez, desta Ermida, Capela Real.

S. Sebastião apresenta-se ao imperador Diocleciano

Em enquadramento rectangular, ladeado por duas pilastras profusamente decoradas por elementos vegetalistas e ao centro por um busto humano, armas, troféus e palmas ou setas do seu martírio – , S. Sebastião apresenta-se perante o imperador Diocleciano, sentado no seu trono. Na parte superior da composição vê-se uma cabeça de anjo entre elementos vegetalistas, enquanto na inferior, ao centro, figuram três palmas as setas emblemáticas do martírio do Santo.

Os gémeos Marco e Marcelino, guerreiros romanos, convertidos por S. Sebastião

Envolvendo a porta do lado da Epístola e com enquadramento de pilastras ornadas de panóplias e festões, as figuras dos guerreiros romanos, os gémeos Marco e Marcelino convertidas ao cristianismo por S. Sebastião e, por isso, como ele, também mártires.

Anjos ostentam grinaldas e festões. Elementos emblemáticos do martírio do Santo

Do lado do Evangelho, enquadrando o púlpito, entre pilastras rectilíneas decoradas por panóplias, dois anjos ostentam grinaldas e festões com frutos. Na parte inferior do envolvimento, um ornato concheado circunda elementos emblemáticos do martírio do Santo.

Como capitão da 1ª coorte, vai à prisão ver os gémeos Marco e Marcelino

Entre pilastras decoradas com panóplias, S. Sebastião, capitão da 1ª coorte romana, dirige-se à prisão, na companhia de outros soldados, onde estão encarcerados os gémeos Marco e Marcelino, que aguardam sentença por serem cristãos.

Capitão da 1ª coorte visita presos e confronta a mãe ou a esposa de Marco

Em enquadramento semelhante ao anterior, São Sebastião, vestido de capitão da 1ª coorte romana, visita os cristãos encarcerados, exortando-os a morrer por Cristo, enquanto consola uma mulher ajoelhada a seus pés, a esposa ou mãe de Marco, cavaleiro romano que o Santo havia convertido ao cristianismo e por isso fora preso.

S. Sebastião confessa-se cristão e o imperador Diocleciano manda prendê-lo e condená-lo ao martírio

Num enquadramento exuberantemente ornamentado, S. Sebastião confessa-se cristão perante Diocleciano, que, irado, o mandou prender e condenar ao martírio.

O martírio de S. Sebastião

Com enquadramento lateralmente constituído por pilastras com panóplias, a cena do martírio de São Sebastião, que, preso a uma árvore, semi-nu, é alvejado com setas por soldados romanos, enquanto outros se preparavam para a flagelação. Sobrepujando a composição, um elemento concheado patenteia atributos do martírio, na parte inferior, ao centro, vê-se ladeada por palmas, uma panóplia.

Monges oram de joelhos a anjos sustentam o panejamento que envolve o retábulo

Na capela-mor, no revestimento da parede testeira, dois anjos, ladeando o altar, seguram um reposteiro com panejamentos em largas pregas, deixando a descoberto o retábulo, em composição verdadeiramente notável e rara na azulejaria portuguesa. De ambos os lados do altar, duas figuras em trajos monacais oram de joelhos.

Por Pe. Diogo Maleitas Correia

 e Bernardo Neves Garcia

Padroeiro da terceira paróquia fundada em Peniche, São Sebastião é um dos santos mais populares em toda a Igreja. Com memória litúrgica a 20 de Janeiro, o “Mártir Santo” é celebrado por Católicos e Ortodoxos, com profundas raízes na devoção popular. Sebastião pertencia a uma família nobre de Milão, no norte de Itália, com fortes tradições militares. Conhecemos a sua vida através dos relatos de Santo Ambrósio, bispo de Milão, no século IV, que nos conta que, em 283, foi nomeado capitão da primeira corte da Guarda Pretoriana, que era a guarda pessoal do Imperador. Cumpria a disciplina militar, embora não participasse dos sacrifícios idolátricos, sendo respeitado por todos e estimado pelo imperador, que desconhecia a sua qualidade de cristão. Pelo seu exemplo e testemunho muitos pagãos abraçaram a Fé e se converteram. Além disso, como bom cristão, exercitava o apostolado entre seus companheiros, visitava e alentava os cristãos presos a não desanimarem e encorajava-os a aceitar o martírio em nome de Cristo. Esta situação não poderia durar muito e, em 288, foi denunciado ao imperador Diocleciano que o obrigou a escolher entre ser seu soldado ou seguir a Jesus Cristo. Firme na Fé, foi martirizado, sendo atado a um tronco e crivado de flechas, como é habitualmente representado. Contudo, embora dado como morto, as suas feridas foram tratadas por Santa Irene, viúva de outro santo – Cástulo – e conseguiu sobreviver. Voltou corajosamente à presença do Imperador e denunciou a sua crueldade para com os cristãos. A princípio, o imperador ficou sem fala, mas depois ordenou que Sebastião fosse espancado até a morte. Este trágico acontecimento aos olhos do mundo foi apenas o começo de uma história que a Cristandade não mais apagou da sua memória, tendo sido atribuído a São Sebastião o cognome de “Defensor da Igreja”. Desde a Idade Média que o povo também invoca o “Glorioso Mártir” como especial advogado nas causas de fome, peste e guerra, os três males mais temidos pela sociedade, sobretudo a partir do XIV.

Tão poderoso intercessor não foi esquecido pelo povo Português e um pouco por todo o território nacional foram surgindo igrejas, capelas e altares dedicados a São Sebastião, devoção que os Portugueses, com o seu carácter missionário, difundiram por todo o Mundo. Particularmente no Brasil, foram muitas as vilas dedicadas a São Sebastião, nomeadamente a importante praça militar de São Sebastião do Rio de Janeiro. Após 1578, com a morte D’El Rei D. Sebastião na célebre Batalha de AlcácerQuibir, o Reino de Portugal, órfão do seu rei e da grande maioria dos grandes titulados, novamente volta a olhar com especial devoção para o Santo cujo nome era o mesmo do jovem monarca desaparecido. Peniche não foi excepção, erguendo-se ainda no século XVI uma ermida com o orago de São Sebastião, numa zona arenosa, à época bastante afastada do povoado de “Peniche de Baixo”, de onde lhe veio o título de “Ermida de São Sebastião das Areias”. Esta primitiva construção foi ampliada logo nos primeiros anos do séc. XVII, não tardando a constituir-se ao seu redor um pequeno aglomerado populacional, o que levou a que o templo fosse elevado a igreja paroquial, em 1604. Com a coroação de Nossa Senhora da Conceição como Rainha e Padroeira de Portugal por D. João IV, em 1646, também a então vila de Peniche adquiriu uma imagem da Imaculada, de madeira com pintura estofada a ouro, colocada em lugar de destaque no altar-mor do templo. Esta invocação sobrepôs-se a partir daí à do próprio orago da igreja, constituindo-se rapidamente a “Irmandade de Nossa Senhora da Conceição”, uma das mais ricas de Peniche no início do século XVIII. A irmandade procurou então redecorar o espaço de acordo com os novos ditames estéticos da época, configurando uma verdadeira “obra de arte total”, de elaborado programa artístico, integrando a talha dourada, o azulejo e a pintura de tectos, conjunto que ainda hoje se conserva, revelando a qualidade artística do opulento Barroco de Peniche. O interior da nave é coberto por tecto com pintura de “brutescos”, representando o medalhão central a “Imaculada Conceição”, da autoria de Pedro Peixoto (atrib.), o mesmo autor das pinturas do tecto e telas laterais da capela-mor da igreja de S. Pedro de Peniche. As paredes da nave e da capela-mor foram integralmente revestidas de azulejo azul e branco, com motivos alusivos à vida de Nossa Senhora, conjunto de grande qualidade, integrado no ciclo dos “Grandes Mestres” do período de D. João V.

O espaço foi ainda guarnecido com cinco retábulos de talha dourada em Estilo Nacional: o retábulo do altar-mor, com imagem da Padroeira de Portugal, e quatro altares na nave, albergando as imagens de São Sebastião, Santo António, São José e Santa Catarina de Alexandria. É importante destacar o altar de Santo António, cuja imagem, por alvará régio, foi alistada no Regimento de Infantaria de Peniche com o posto de Alferes, recebendo um soldo mensal de seis mil réis. Era também costume os militares casarem diante desta imagem, pedindo a protecção do seu padroeiro. No séc. XIX, com a extinção das ordens religiosas, em 1834, a igreja foi alvo de uma nova campanha de obras, aproveitando elementos trazidos do extinto convento franciscano do Bom Jesus de Peniche. Assim, procede-se ao revestimento de azulejos do coro alto, alusivos à vida de S. Francisco, e à construção da torre sineira. Nesta campanha foi ainda rasgada na fachada a janela com varandim, que substituiu o óculo que existia até então. Provavelmente, também durante esta remodelação se deu uma nova cobertura à capela-mor de uma feição mais simples, com o monograma “Maria” encimado pela coroa de rainha. Por fim, pela década de trinta do século XX, a primitiva imagem de Nossa Senhora da Conceição, viria a ser substituída por uma imagem de vestir, que se conserva na actualidade e é alvo de grande devoção por parte das gentes de Peniche, que a honram com solene procissão a 8 de Dezembro. Hoje, a igreja de São Sebastião é uma das maiores jóias do património histórico-artístico de Peniche, cabendo a cada um de nós valorizá-lo e conservá-lo, legando-o às gerações vindouras como testemunho de Arte de Fé.

Caldas da Rainha

Desconhece-se com precisão a data de construção da Capela de São Sebastião, no entanto podemos coloca-la nos primeiros anos do século XVI, ou ainda mesmo, nos últimos da centúria anterior, visto que, Frei Jorge de São Paulo, douto complicador das antiguidades caldenses e Provedor do Hospital de Nossa Senhora do Pópulo, diz o seguinte: “Esta Hermida se sam Sebastiam me paresse se edificou no tempo que se obrava o edifício do Hospital e se fazião cazas no Rocio da Villa pera os moradores.”

Refere ainda que em 1509 já estava a capela concluída, faltando-lhe apenas a licença para erigir o Altar e “participarem a exercer o culto.”

Terá sido construída pela Câmara com auxílio dos munícipes, sendo que a festa e a procissão do Santo Mártir eram feitas as expensas da Câmara, a quem, em 1614, eram atribuídas, pelo Visitador do Arcebispo Tomás Gonçalves Ferreira, as funções de fabriqueira da Capela.

Nos primeiros anos do século XVI foi constituída em Paróquia, com Baptistério, para servir algumas povoações muito distantes de Óbidos, como eram: Casal Novo, Avenal, Moinhos dos Pinheiros, Torre, Formigal, e Coto, com o Val e Casais.

No século XVIII durante o reinado de D. João V, o Magnânimo, sofreu a capela uma total modificação, sem deixar vestígios da sua traça primitiva. Foi então enriquecida interiormente com preciosíssimos azulejos da primeira metade do mesmo século, representando em grandes painéis de belo efeito decorativo, diversas passagens da vida e martírio de S. Sebastião que se mantém até hoje.

Ainda no mesmo século XVIII, no ano de 1786, nova alteração é feita na Capela. A Rainha D. Maria I e a Corte vêm residir para as Caldas, fugindo à peste que grassava em Lisboa. É preciso adaptá-la a Capela Real. Sobem mais as paredes e é construído o coro, posto em comunicação, por meio de um passadiço com o prédio fronteiro, entretanto desfeito.

Tem no interior duas lápides sepulcrais de Salvador Quintal e seu irmão Manuel do Quintal. Salvador quintal foi uma figura de destaque do Rossio Quinhentista. Casado com Branca de Torres era “tosador”, avaliador e abastado lavrador que ali possuía quintal e casa de morada, para além de outros bens nas Caldas. Mesteiral e figura de prestígio entre os lavradores da área, instituiu capela na igreja de S. Sebastião, tal como seu irmão Manuel do Quintal, mercador e lavrador.