Outubro 2021


Barro, memórias de um lugar onde o tempo se repete.

Corria o ano de 1570 quando Fr. Damião da Torre, provincial da Província da Arrábida pediu autorização à Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, para a fundação de um novo convento. Este convento à semelhança dos demais da província, deveria ser despojado de luxos e exuberâncias, bem ao gosto dos filhos de S. Francisco à época.

O local escolhido falaria por si próprio, um sitio protegido dos ventos abundantes, circundado por montes bucólicos. Revelar-se-ia o local perfeito para o recolhimento e noviciado assim como para a recuperação de frades “fraquinhos do peito”, expressão da época para designar aqueles que padeciam de doenças pulmonares. Seria esta a primeira referência à área da saúde, tema querido ao edifício desde a sua fundação.

Após a primeira fundação, e face à fraca construção inicial, o primitivo convento sucumbiu à força dos invernos rigorosos. Para conter estas dificuldades, e depois de alguma discussão acerca de uma nova localização, o convento é refundado em 1619 no mesmo local. Para isto contribuíram as memórias das lendas na comunidade local, que levaram à escolha da localização inicial. Estas proclamavam que Nossa Senhora o haveria escolhido por vontade divina.

Ainda hoje podemos vislumbrar a força da construção de início de seiscentos, com paredes de alvenaria de pedra com mais de dois metros de largura, capazes de conter a força de qualquer elemento da natureza. Composto por um edifício com um modesto claustro, a celebração da vida divina acontecia na sua igreja encostada do lado norte.

Na capela-mor foram aplicados em 1725 dois interessantes painéis de azulejos atribuídos aos mestre P.M.P, referência maior da época na sua arte.

O convento que durante o terramoto de 1755 sofre alguns danos, nomeadamente na igreja, é colocado ao abandono após a expulsão das ordens religiosas em 1834. Depois de andar de mão em mão particular, é comprado pelo Marquês da Vallada em 1857, que em 1860 o entrega ao Padre Carlos João Randemaker, forte impulsionador do regresso da Companhia de Jesus a Portugal.

De pequeno convento arrábido modesto, até ao séc. XIX, após a chegada dos Jesuítas, a transformação no edificado é radical. Se anteriormente as estruturas eram pautadas por espaços pequenos e contidos, com as obras iniciadas a partir de 1860, assistimos ao nascimento de vários edifícios de grande escala que crescem em torno do edifício conventual quinhentista. Estas construções foram em larga medida motivadas pela necessidade de acolher um considerável número de religiosos, que ali iriam iniciar a sua vida religiosa. O convento seria dedicado ao noviciado, ficando na história pela restauração da presença dos jesuítas no território português.

Aquando da proclamação da república, em 1910, a história da presença humana no convento do Barro é novamente perturbada e os jesuítas são expulsos, são vários os relatos dramáticos de como as forças republicanas trataram a comunidade religiosa, reflexo de um sentimento anti igreja que se vivia na época.

Para contrariar a presença simbólica da religião no edificado, é inaugurado logo em 1912 pela primeira república, o Asilo Elias Garcia. As funções de asilo mantêm-se até 1942, altura em que o estado confia o edificado ao Instituto do Bom Pastor, que aí passa a desempenhar as funções de acolhimento a raparigas órfãs ou que tenham sofrido dos “males da juventude”.  É aqui mais uma vez restabelecida a presença da comunidade religiosa no antigo convento do Barro.

Desde da expulsão dos jesuítas em 1910 que o edifício não recebia consideráveis obras de conservação, motivo pelo qual em 1953 foi abandonado pelas religiosas do Instituto do Bom Pastor. Pouco depois começam as grandes obras de adaptação do antigo convento do Barro a Sanatório, inaugurado em 1956. Estas obras capacitaram todo o conjunto a desenvolver as mais modernas formas de receber, tratar e cuidar dos doentes, bem como, incluir no processo de reabilitação a multidisciplinariedade, conceito quase inexistente à época nos cuidados de saúde.

Nos inicio dos anos 90 do século XX o sanatório passa a Hospital Dr. José Maria Antunes Júnior, homenageando o seu diretor. Homem responsável pelo sucesso do Sanatório, com o seu brio e entusiasmo, na relação articulada entre todos, funcionários e doentes.

Embora tenham sido levadas a cabo obras de adaptação do edifício quinhentista em 2001, altura em que é integrado no Centro Hospitalar de Torres Vedras, todo o conjunto necessitava já de grandes obras para o bom desempenho das funções hospitalares. É a partir desta altura que começam a ser estudadas formas de manter a viabilidade do conjunto.

Com a incorporação do Centro Hospitalar de Torres Vedras no Centro Hospitalar do Oeste, é decidido o seu encerramento, que ocorre definitivamente em maio de 2015.

A partir desta altura a Câmara Municipal de Torres Vedras ganha consciência da importância de não deixar morrer um conjunto edificado de tamanha importância para o concelho. São realizadas intervenções de salvaguarda do património existente em colaboração com o Centro Hospitalar do Oeste para tentar conter os atos de pilhagens e vandalismo a que o conjunto vinha a sofrer desde o seu encerramento.

Em 2019 é assinado com a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a criação do “Torres Vedras Health Park for Multidisciplinary Care”, espaço de referência dedicado à prestação de cuidados assistenciais, à formação de profissionais da saúde, ao ensino e à investigação em Medicina e em outras Ciências Biomédicas. À Câmara Municipal de Torres Vedras caberá a realização das obras de adaptação do edificado, e à Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa caberá a operacionalização do corpo técnico e docente, bem como propor potenciais parceiros para a constituição de um consórcio.

O antigo convento do Barro espera novamente o seu tempo na história. O tempo onde saúde, ensino e multidisciplinariedade se voltarão a encontrar.

Paulo Bernardo Gomes

Centro de Artes e Criatividade – Câmara Municipal de Torres Vedras

Vista aérea, conjunto edificado, antigo Hospital Dr. José Maria Antunes Júnior   2019

Centro Hospitalar do Oeste E.P.E.

Resenha Histórica

O entendimento daquele que é hoje o complexo patrimonial em que se enquadra do Centro Hospitalar do Oeste Norte, E.P.E., só é possível à luz do conhecimento histórico e conjectural que motivou, não apenas o surgimento desta instituição, mas também o seu modelo de gestão ao longo dos tempos.

Ainda que de origem recente, o Centro Hospitalar Oeste reúne instituições cuja história da assistência em saúde nos deixam legados patrimoniais que se confundem com a história dos próprios núcleos urbanos onde estão inseridos.

Pela portaria nº 276/2012, publicada em Diário da República, foi criado o Centro Hospitalar do Oeste, passando a assumir-se em pela portaria nº 115/2018, como Centro Hospitalar do Oeste E.P.E., integrando o Centro Hospitalar de Caldas da Rainha e com ele o Hospital Termal Rainha D. Leonor, o Hospital São Pedro Gonçalves Telmo de Peniche e o Hospital Distrital de Torres Vedras que englobava o então Hospital Dr. José Maria Antunes Júnior – antigo Sanatório do Barro.

Tendo por base a fundação daquele que é considerado por Augusto da Silva Carvalho, como o primeiro Hospital Termal do Mundo – Hospital de Nossa Senhora do Pópulo, propõe-se uma abordagem integrativa que se alarga na história da saúde na europa, posicionando Caldas da Rainha, e a região Oeste, a par do Hospital de Todos os Santos e dos grandes e inovadores Hospitais do Renascimento Italiano.

A promoção da saúde não se extingue na fundação deste hospital e na originalidade da sua proposta de gestão, habilmente criada pela Rainha D. Leonor. Prolonga-se ao longo dos tempos, através de soluções inovadoras, como o Hospital de Santo Isidoro já no Séc. XIX, dando resposta às premissas de cuidados de saúde que se faziam sentir então, e às necessidades da população local.

Se a saúde do corpo foi amplamente tratada, a saúde da alma não foi descurada. É disso exemplo a construção da Igreja de Nossa Senhora do Pópulo assegurando o tratamento espiritual dos doentes ou, mais tarde, o Parque D. Carlos I com todas as actividades lúdicas que animavam os que às Caldas da Rainha se vinham tratar.

Nas proximidades, os banhos de mar surgiram como forma de bem-estar, animando o corpo a curar-se nas águas salgadas, e implementando o hábito social de ir a banhos à praia nos inícios do Século XX. As magníficas praias de Peniche são, disso, exemplo.

Embora o Hospital S. Pedro Gonçalves Telmo seja relativamente recente, a história da assistência em Peniche é bem mais antiga, devendo-se a fundação do primeiro hospital à Confraria do Corpo Santo, em 1617.

Será em 1626, com a fundação da Misericórdia de Peniche, que a Irmandade de São Gonçalves Telmo, num gesto de profunda solidariedade, coloca o recente hospital à disposição da nova obra social, garantindo assim os apoios sociais e de saúde a todos os necessitados, bem como o patrocínio cultural para a Igreja vizinha, dos magníficos quadros de Josefa de Óbidos e de seu pai, Baltazar Gomes Figueira.

Por volta de 1831 as instalações do primitivo hospital encontravam-se bastante degradas, tornando-se necessário remodela-las para que as obrigações assistenciais pudessem ser cumpridas, o que acontecerá em 1930.

Afirmando a sua importância na história da saúde em Portugal, será em Peniche que se cria aquele que foi o primeiro Centro Cirúrgico do distrito de Leiria e um dos primeiros instituídos no país. É neste contexto, que será realizada, em 1954, uma intervenção marcante pela sua inovação: “Ferida do coração operada no Hospital de Peniche”, pelo Dr. Simões Moita.

Se a Rainha D. Leonor se constituí como elemento agregador de todas estas unidades hospitalares, na medida em que a Ela se deve a fundação das Misericórdias Portuguesas, também a Ordem de Santa Maria de Rocamador encontra na história do Centro Hospitalar do Oeste lugar de destaque.

A esta ordem se devem as primeiras explorações das águas termais nas Caldas da Rainha, mas também a constituição daquele que será o hospital mais antigo de Torres Vedras, o Hospital de Santa Maria de Rocamador, que se localizaria nas dependências da antiga ermida de N.S.ª do Ameal. Dever-se-á esta obra à Rainha D. Isabel, em 1310. O mesmo viria a ser entregue, em 1337 à Confraria dos Alfaiates.

Segundo o Compromisso do Hospital de S. Geão, no ano de 1359 “decidiram os sapateiros da então vila de Torres Vedras construir um hospital e uma ermida dedicadas ao seu santo protector, S. Julião ou, mais popularmente, S. Gião”

Já no século XVI, com a fundação da Misericórdia de Torres Vedras, e por ordem de D. Manuel em 1520, serão transferidos todos os bens da Confraria, entre eles, o Hospital do Espirito Santo, entretanto anexado. Será ainda, em 1859 anexado o Hospital do Machial. Objectivando melhorar as condições de assistência, será em 1943 inaugurado o novo edifício do Hospital ao serviço da Misericórdia, onde se encontra até aos dias de hoje.

A história cruza-se de forma geral na assistência e na saúde, no entanto, é na vertente de tratamentos respiratórios que confluem pontos comuns entre Caldas da Rainha e Torres Vedras, através do Sanatório do Barro.

Apesar de a sua criação remontar a 1956, a referência às suas qualidades como local de recuperação para os “fraquinhos do peito”, remonta à época da construção do primeiro edificado, em 1570, e reedificado em 1619. Fazendo consolidar a vertente assistencial que sempre se associou a este local.

A sua função inicial, religiosa, manteve-se ao longo da sua história, e apenas será rebatida com a implementação da república em 1910, com a inauguração em 1912 do Asilo Elias Garcia.

Após um período de abandono, devido às más condições do edifício, será então remodelado para instalação do Sanatório em 1956, funcionando até aos anos 90, altura em que é criado o Hospital José Maria Antunes Júnior, em homenagem ao seu administrador. Este seria integrado no Centro Hospitalar de Torres Vedras em 2001.

Com todo o exposto, é certo que o Centro Hospitalar do Oeste. E.PE. agrega na sua génese uma vasta área territorial e histórica, mas também uma complexa rede de bens patrimoniais, redes assistenciais e de cuidados de saúde que constituem memória de toda uma região.

A perpetuação da memória histórica que se traduz nos diversos bens á guarda desta instituição, é instrumento essencial para o cumprimento dos objectivos a que se propõe, sendo que o seu conhecimento contribuirá, em ultima análise, para um melhor entendimento da tarefa de cada um de nós nesta missão.

Caminhamos hoje objectivando uma perspectiva global, que parte das vicissitudes históricas e com as particularidades de cada uma das três comunidades hospitalares, que constituem o CHO, para a construção de uma unicidade potenciada pelo vasto conhecimento e experiencia na assistência e na saúde em Portugal, afirmando-se seguramente nos anais da história da saúde na europa.

Embora alguns dos bens patrimoniais não se encontrem no presente sob a administração do CHO, continuam indissociáveis na sabedoria e conhecimentos adquiridos por todos. Importam por isso constar como elementos parceiros na edificação do futuro, conferindo a cada um deles, em particular, e à história de toda a região, no geral, um sentido mais vasto e uma garantia de futuro alicerçada pela importância histórica que têm.

Após o sucesso da sessão anterior, a Companhia de Teatro para a Infância Estação das Letras, visita-nos uma vez mais, a manhã de sábado 23 de Outubro, para a apresentar novamente a peça “A ILHA”. Um segunda oportunidade para quem não conseguiu lugar na primeira edição.

A Ilha, um pedaço de terra cercado de água por todos os lados.
Uma ilha abraçada pelo vento, embalada pela chuva e beijada pelo sol. Um recreio para bichos e bicharocos e um lar para uma família. O espetáculo convida a sentir a ilha, a descobrir a sua essência, a habitá-la, jogos de luzes e sombras levam o público a fazer parte de um mundo sensorial e imaginário. Sons misteriosos, marionetas, projeção de imagens convidam todos a embarcar numa viagem surpreendente, ondas gigantes, nuvens que deslizam e animais com formas únicas dão vida a este espetáculo.

Interpretação: Tiago Duarte
Produção: Estação das Letras

Classificação etária: para todos | 40 minutos | 5€ por participante
Lugares limitados – Inscrições obrigatórias para 964090165
Espectáculo a realizar de acordo com as orientações da DGS e Ministério da Cultura