Novembro 2021


Grandes epidemias e pandemias marcaram a História da Humanidade. As diferentes sociedades foram ao longo dos tempos colocadas em diversas situações, que despoletaram o pânico do desconhecido, especialmente no que toca a doenças que levaram à morte de milhares de pessoas.

O termo epidemia provém da fusão dos termos gregos epi, que significa “sobre” e demos que significa “povo”, o que nos leva à ideia de que algo se espalhou sobre a população, conduzindo ao medo. O facto de se caraterizar por um rápido e generalizado contágio, sem limites de tempo ou espaço, conduz a um elevado número de vítimas. A nível da medicina, a epidemia traduz-se num súbito número de doentes que padecem da mesma doença, independentemente do género, idade, raça ou classe social.

A pandemia é considerada o pior dos cenários para a saúde humana, deriva da junção de 2 palavras gregas: pan que significa “tudo ou todos” e demos, que significa “povo”. Carateriza-se pela disseminação da doença aos indivíduos que se encontram localizados nas mais diversas regiões geográficas. Assistimos assim à passagem da epidemia, a pandemia.

A compreensão da História passa também pelo estudo destas doenças e de que forma elas influenciaram a vida das pessoas, que tiveram a necessidade de se agarrar a qualquer esperança, na tentativa de sobreviver, enquanto uns procuraram fugir, outros agarraram-se à religião. Os historiadores têm vindo a constatar, que desde dos tempos mais antigos, estes episódios de epidemias e pandemias se verificaram por todo o planeta. Provocaram um elevado número de vítimas, trazendo consigo consequências graves não só a nível social, mas também económico e político.

Na Antiguidade clássica, surgiu no verão de 430 a.C., uma doença misteriosa e desconhecida, que atingiu Atenas, uma das grandes cidades da civilização grega. Apelidada de Peste de Atenas, Praga de Atenas ou de Peste do Egipto, foi responsável pela morte de 35% da população local. Pensa-se que terá sido uma epidemia de febre tifóide, ainda que até hoje não existam certezas.

A Peste Antonina ou a Peste de Galeno, surgiu em 165 a.C., no Império Romano, e pensa-se que terá sido um surto de varíola ou sarampo, que iniciou nas tropas romanas, mas acabou por se difundir pelos diversos continentes. Fez milhares de vítimas em Roma.

Em 250 a.C. a Peste Cipriano, de origem desconhecida, e com o nome do bispo de Cartago, calcula-se que tenha iniciado na Etiópia, espalhando-se depois pelo norte de Africa, passou pelo Egipto, até chegar a Roma. C. Desconhece-se o tipo de vírus responsável pela mesma, mas alguns historiadores referem a possibilidade de ter sido uma febre hemorrágica viral, enquanto outros apontam uma gripe causada por um vírus semelhante ao da gripe espanhola.

A primeira pandemia historicamente documentada, foi designada de Praga Justiniano, terá deflagrado entre 541 e 750, foi o primeiro caso de peste bubónica, e vitimou cerca de 50 milhões de pessoas a nível mundial. Teve origem no Egito, generalizou-se no Império Bizantino (governava o imperador Justiniano), chegando depois ao Mediterrâneo.

A Europa foi assolada pela Lepra, durante o século XI, que na idade média era encarada como um castigo de Deus, e maldição sobre os doentes. Ainda hoje esta doença afeta pessoas por todo o mundo, sendo que a sua cura é possível quando detetada precocemente.

Em 1347, surgiu a Peste Negra, aquela que foi considerada a maior pandemia da história da civilização. Terá sido um surto de peste bubónica, com início na Ásia Central, que se espalhou depois pela Europa e África. Foi devastadora dizimando cerca de metade da população mundial. A doença foi encontrada em ratos, terá sido transmitida aos humanos pelas pulgas, que após passada para os mesmos, passou a ser transmissível através da via respiratória.

A colonização levou a que alguns países, onde certas doenças eram inexistentes, não só as mesmas passaram a existir, como evoluíram e se transformaram em grandes pandemias, são exemplo disso mesmo, o sarampo e a varíola. Os surtos de peste bubónica mantiveram-se ao longo de séculos e espalharam pelo continente europeu: em 1665 a cidade de Londres foi assolada pela peste bubónica matando cerca de 20% da sua população.

O vírus da Gripe que surgiu em 1580 na Ásia, originou as primeiras notícias de pandemia, e até 1830, continuou a espalhar-se por todos os continentes. As pandemias começam assim a possuir nome próprio, para além da gripe, outras doenças provocaram grandes pandemias, a cólera conduziu a oito surtos que disseminaram pelo mundo inteiro (1817 – 1966).

A Gripe Espanhola, que assolou o mundo entre os anos de 1918-1919, ocorreu devido a uma mutação do vírus Influenza. Desconhece-se o local exato do surgimento da doença, e apesar de não ter origem espanhola, ficou conhecida como gripe espanhola, gripe pneumónica, peste pneumónica. O primeiro país a noticiar a doença foi a Espanha (daí a designação), a 22 de Março de 1918, no Jornal El Sol. O alastramento da doença esteve relacionada com a I Guerra Mundial, visto que a grande concentração de soldados, criou as condições ideais para o desenvolvimento de estirpes mais agressivos, que alastraram por todo o mundo.

A gripe espanhola é considerada a maior pandemia mundial conhecida até aos nossos dias, causando mais mortes que a Peste Negra. Durante um ano, cerca de um terço da população mundial foi infectada por este vírus, tendo vitimado cerca de 50 a 100 milhões de pessoas. Em Portugal os primeiros casos surgiram em Maio de 1918, sendo o combate à doença liderado por Ricardo Jorge (Diretor Geral de Saúde). A tentativa de travar a doença passou pelo encerramento de escolas, proibição de feiras, e vários espaços públicos foram transformados em enfermarias para assistir os doentes. Na altura foi pedido à população que lavasse as mão com frequência e que cobrisse as mãos e o nariz após espirrar.

A Gripe Asiática surgiu em 1957, sendo uma das maiores epidemias mundiais de gripe. A Portugal terá chegado através do desembarque de passageiros provenientes de África. Esta pandemia causou a morte de 1,1 milhões de pessoas em todo o mundo. Em 1968 a Gripe de Hong Kong (assim designada pois o primeiro caso surgiu na cidade com o mesmo nome), acabou por se espalhar por todo o mundo.

O VIH/SIDA teve início em 1981, a sua origem foi identificada em chimpanzés em África, mas foi nos EUA, que o vírus alastrou em grande escala, no início dos anos 80. Os avanços da medicina permitiram controlar a doença, mas ainda não foi encontrada a cura.

No ano de 2009 mais uma Pandemia de Gripe – desta vez designada de Gripe A. Inicialmente foi um surto de gripe suína, com os primeiros casos a surgirem no México, mas imediatamente se espalhou pela Europa e Oceânia. O vírus responsável por esta gripe foi o H1N1, que causando problemas respiratórios, provocou a morte de 203 mil pessoas (faixas etárias mais jovens – dos 5 aos 24 nos).

O surgimento da pandemia do COVID-19 causou medo em todo o mundo, o panorama que se confirmou, e a sua semelhança ao que já se havia verificado em outros momentos da história da humanidade, desencadearam o pânico entre a população e necessidade de encontrar meios capazes de enfrentar mais este desafio. Os primeiros casos da doença foram divulgados em Dezembro de 2019, na cidade de Whuan, inicialmente foi considerado um surto, sendo designado de Pandemia, pela OMS no dia 11 de Março de 2020.

Os progressos desenvolvidos no último século, nomeadamente nas tecnologias da comunicação, permitiram ao mundo uma resposta mais rápida no que toca a uma ameaça de pandemia à escala planetária. Da mesma forma que, a realização de programas e campanhas de vacinação, possibilitam uma maior preparação no combate desta ameaça.

Actualmente existem outras doenças que continuam a gerar preocupação, como é o caso do Ébola, Dengue, entre outros, que pela enorme facilidade com que se propagam, podem facilmente originar pandemias, por isso se manteve o estudo das mesmas, pela comunidade científica. O controlo do Coronavírus, não permitirá descansar nesta luta, os investigadores e especialistas destas áreas, avisam para o facto de novos surtos pandémicos poderem surgir, e para os quais devemos estar preparados.

Apesar das diferentes opiniões, factores como o aumento da população mundial, questões ambientais (desflorestação, extinção de animais selvagens, exploração da natureza para produção de medicamentos e outros), contribuem em larga escala para que no futuro se aumente o risco de contrair novos vírus. Neste sentido é urgente que sejam tomadas medidas e criadas formas de regulamentar, no sentido de proteger um planeta que é de todos e cuja protecção deve ser também uma preocupação de todos.

Tânia Jorge

Tendo como nome de origem λέπρᾱ (léprā), derivado de λεπῐ́ς (lepís; “escama”), a Lepra, ou doença de Hansen, é relatada mundialmente há mais de 3000 anos.

Fortemente associada à estigmatização social, a Lepra foi frequentemente confundida com outras maleitas, paradigmáticas dos párias da sociedade, que descreviam o individuo que, “não se comportando dentro das regras da comunidades merece segregação e isolamento (…)”.

Amplamente referida ao longo da história, são vários os escritos antigos que a retractam: nos Evangelhos onde se retractam os episódios de Job e a cura dos 10 leprosos; nos escritos védicos de Sushruta na India; no livro da medicina Nei Ching de 2600 a.C., entre muitos outros.

Embora as mostras proponham que a bactéria que dá origem à doença tenha feito propagação pela Africa oriental, sul da Ásia, até às portas da Europa; alguns estudos de datação de amostras de ADN com radiocarbono, referem que a evidência mais antiga remete para um túmulo em Jerusalém, (1-50 d.C.), contemporâneo à vida de Cristo. Considera-se assim o Médio Oriente como fonte de propagação da doença para a Europa, tendo as Cruzadas contribuído para a forte expansão da doença no continente europeu, dadas as movimentações dos exércitos.

As deformidades que se apresentavam pelo desenvolvimento da doença eram, na antiga Medicina, de carácter religioso, vistas como “manifestações visíveis do pecado, sinais de alma impura, destruída pelos erros da transgressão sexual e do pecado”.

Perante a incapacidade de tratamento eficaz e o medo de contágio, a resposta fez-se por segregação dos doentes, indesejáveis ao convívio social, conduzindo à sua ostracização, tanto pela sociedade, como pela própria família. ”Impuros, os doentes deviam ser separados da comunidade, despojados dos seus bens e considerados “mortos para o mundo””. Eram, em geral, obrigados a usar hábitos que os identificassem, e anunciar a sua aproximação através de sinetas, sempre que se aproximavam de caminhos públicos ou agregados populacionais, na procura comida ou esmolas.

Se por um lado a interpretação de mal dos Deuses conotou a doença como resultado de uma vida em pecado, por outro, a analogia com episódios bíblicos, deu lugar a manifestações de caridade e de misericórdia por parte do Clero, da Nobreza e de comunidades, procurando seguir os passos de Cristo.

A partir do século V terão surgido as primeiras leprosarias destinadas ao isolamento dos doentes. A primeira leprosaria de que há registo, data de 460, localizada em Saint Claude, França. Expandindo-se pela Europa a partir do século X, aponta-se para a existência de cerca de 19.000 leprosarias em toda a Europa, na época medieval.

No século XVI assistiu-se a alguma regressão da doença na Europa, levando ao encerramento de muitas leprosarias e à sua transformação em hospitais. Ainda que a razão para este declínio não esteja totalmente clara, é provável que múltiplos factores tenham contribuído para esta diminuição de casos, entre os quais, as medidas de isolamento anteriores, mas também o surgimento da Peste Negra que dizimou mais de 1/3 da população europeia, incluindo-se neste grupo, sobretudo, doentes imunologicamente mais frágeis

No que concerne a Portugal, acabou por ser relativamente poupado a esta epidemia. Se a sua privilegiada localização, isolada no extremo da Europa, se constitui uma razão, também a ameaça que ainda se fazia sentir por parte dos mouros magrebinos, fez com que o Papa Pascoal II proibisse os portugueses de se alistarem como cruzados, para que se assegurasse o flanco ocidental da Península Ibérica.

Ainda assim, na época de D. Afonso Henriques, contavam-se perto de uma dezena de gafarias em Portugal, entre as quais: Guimarães, Braga, Barcelos, Ponte de Lima, Razes, Lisboa, Santarém. Este número ascendeu a sete dezenas ao longo da história, ficando muito aquém do rácio de contágios verificado por toda a Europa.

A identificação da bactéria Mycobacterium Leprae, como agente infeccioso causador da Lepra, foi feita pelo médico norueguês G.H. Armauer Hansen, em 1874. Como tributo, a Lepra seria nomeada de doença de Hansen.

A Lepra passava assim a uma doença infecciosa e não uma praga, criando um novo posicionamento e estratégia para o modelo das leprosarias modernas, que viriam a ter como base uma medicina social. Zeferino Falcão, apresentará quatro passos para erradicar a doença: o censo da população enferma, o ensino da leprologia, o isolamento dos doentes e a necessidade de instruir o povo com as noções de higiene, de contágio e de hereditariedade da Lepra.

Perante o receio de aumento dos casos em Portugal, por volta de 1930, é nomeada uma comissão para o estudo da Lepra, que identificou 1.127 casos em Portugal. Em 1934, Bissaya Barreto apresenta o seu projecto para uma medicina social, dando continuidade ao anunciado por Zeferino Falcão, definindo como estratégia: despistagem dos doentes, medidas de saneamento, educação das famílias, assistência aos doentes e familiares sob todos os aspectos.

Em 1947, financiado pelo legado que José Rovisco Pais deixara aos HCL, é inaugurado o Hospital-Colónia da Tocha, para leprosos. Afirmando-se como um importante marco na política higienista do Estado Novo, no tratamento dos doentes com Lepra, que seguia a estratégia delineada por Bissaya Barreto.

Tendo como primeiro Director Clinico, Dr. Manuel Santos Silva, o Hospital-Colónia Rovisco Pais, teve um papel determinante no tratamento e irradicação da doença em Portugal, assistindo-se, no final da década de 1970, à sua extinção e posterior conversão no Centro de Medicina de Reabilitação, a partir de 1996.

Procurando valorizar a partilha de memórias pela comunidade, valorizando o bem comum e as experiências vividas num contexto epidémico, semelhante ao que hoje atravessamos, objectiva-se alicerçar caminhos de esperança para o futuro.

É nesse sentido que o Museu do Hospital e das Caldas acolhe a exposição “Hansen Stories”, em colaboração com o Centro de Medicina e Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais. A mostra poderá ser visitada, dentro do horário do Museu, a partir do dia 19 de Novembro até ao dia 15 de Janeiro de 2021.