Abril 2022


A ideia da criação de “um Parque arbóreo com um lago” surgiu com a administração de Rodrigo Maria Berquó, que a partir de 1888, inicia uma nova fase da história do Hospital Termal.

É, no entanto, no tempo de D. João V, por volta de 1747, que o conceito de espaço exclusivo de lazer é aplicado, surgindo nessa época uma zona claramente destinada ao passeio dos doentes. No seio das profundas reformas que empreendeu no Hospital, D. João V constrói a Casa da Convalescença e com e ela justifica a necessidade de aquisição de terrenos que serão destinados a essa nova funcionalidade.

No século XVIII surge um novo interesse pelo termalismo caldense. São feitas inúmeras análises às águas termais e discute-se as suas composições e indicações terapêuticas.

Também nesta altura começa-se a sentir uma certa mutação social que se viria a consubstanciar no século seguinte com o nascimento de uma nova elite, a burguesia. De forma consequente alteram-se usos e costumes e surgem novos hábitos de convivência social.

É pois nesta conjuntura que se fundamenta a adopção do passeio, do lazer e do divertimento como novo elemento complementar da acção terapêutica, levando ao surgimento do Passeio da Copa, mandado construir pelo Administrador Dr. António Gomes da Silva

Pinheiro, na segunda metade do século XVIII. O Passeio da Copa, que se caracterizava por jardim tipicamente Barroco, de composição axial, muros de suporte e escadarias, permitia ao doente ter um espaço de lazer, para passeios ao ar livre, durante a permanência para tratamentos no Hospital Termal. Este projecto inicial viria a ser alterado em 1806 com a planta do novo Passeio das Caldas, que marcará o início do Parque propriamente dito e que corresponde actualmente à zona norte do mesmo.

O século XIX irá conferir às Caldas da Rainha um entusiasmo socioeconómico sem precedentes. As visitas da família real tornam-se constantes, desencadeando dinâmicas de grande aparato social, colocando a vila nos circuitos turísticos nacionais e internacionais mais procurados e afamados, adquirindo o estatuto de Termas da Moda. Acentua-se a componente lúdica do passeio, surge o Clube, onde se podia jogar, dançar e ouvir música, organizavam- se jantares campestres e piqueniques, joga-se boston, o croquet e o arquinho.

Mais do que simples terapia as termas assumem-se como forma de lazer, levando ao desenvolvimento de novas infra-estruturas de apoio. A construção da Linha do Oeste em 1887, símbolo distinto de modernidade virá reforçar e ampliar este contexto.

As sucessivas direcções da instituição termal caldense procuraram corresponder às exigências dos novos públicos, em função dos novos requisitos de carácter medicinal, social e assistencial.

Em 1888, com a chegada do administrador Rodrigo Maria Berquó, inicia-se uma nova fase da história do Hospital Termal, nomeadamente no que toca às novas ideias que o administrador pretende empreender. Começa por solicitar uma verba do orçamento de 1888-89 para proceder à transformação das vinhas existentes junto do Passeio da Copa, num Parque arbóreo com um grande lago.

A sua ideia não se fica por aqui e acrescenta a necessidade de estabelecer diversas formas de entretenimento – jogos, ténis, croquet, bola, tiro à pistola, música no coreto e passeios de barco no lago justificando que essas diversões tornariam a localidade num espaço mais aprazível, com maiores capacidades de concorrência.

A política de Berquó em relação ao Parque desenvolveu-se segundo três vectores: o alargamento, a construção do lago artificial,vedação e policiamento.

Para o alargamento do espaço ajardinado foi necessário utilizar o terreno de cultivo do Hospital, mas houve também necessidade de algumas expropriações que não deixaram de causar polémica, já que os terrenos em causa estavam destinados para a construção de uma urbanização. Berquó define com indispensáveis os terrenos para a construção do Parque e apresenta vários argumentos contra a construção da urbanização, incluindo relatórios dos médicos do hospital.

A construção do Lago Artificial, elemento inovador, que em 1891 já estaria aberto no local, iria levantar o problema do seu abastecimento. A ideia inicial seria alimentá-lo com água termal, fazendo desta forma um aproveitamento dos excedentes de água dos tratamentos terapêuticos. No entanto esta medida não seria suficiente, levando à aprovação de mais um orçamento suplementar para comprar tubagem de ferro fundido que conduzisse a água do depósito da mata para o estabelecimento balnear e Parque D. Carlos.

O novo Parque D. Carlos I irá caracterizar-se estilisticamente por uma exaltação ao sentimentalismo e ao naturalismo, à maneira doestilo paisagístico já em voga por toda a Europa. A análise da planta do Parque elaborada por Berquó, permite-nos verificar um novo

conceito de ordem menos rígida e de simetria mais naturalista.

Nas duas primeiras décadas do século XX, com a instauração da república, o parque foi quase votado ao esquecimento pelas sucessivas administrações do hospital, o apelo da imprensa local para reformar o parque são prova disso mesmo.

A política de reestruturação empreendida por Rodrigo Berquó não terá continuidade com o seu sucessor, o Dr. Filipe de Andrada Rebelo, ficando alguns problemas do Parque por resolver, o que conduziu o espaço a algum abandono e esquecimento.

A partir da década de 30 do século XX, há um retomar da atenção perdida pelo parque, agora local privilegiado não só pelos aquistas, mas também pela população caldense.

Em 1935 o administrador Dr. Mário Rocha, mandou substituir algumas árvores velhas e estragadas. Na segunda metade da década de 40, o melhoramento embelezamento do parque estão na ordem do dia. O grande problema continuava a ser a escassez de verbas.

É com a A.P.D.I.C. – Associação de Defesa dos Interesses das Caldas que, em colaboração com a Administração do Hospital, se aborda a importância de incluir o Parque num plano de urbanização a ser executado pelo engenheiro agrónomo paisagista Caldeira Cabral.

O projecto terá início em 1948 e as obras prolongar-se-ão até 1951.

Com este projecto retomam-se as formas mais regulares, o arrelvamento de espaços baldios, o cultivo de sebes de flores variadas e coloridas e a plantação de árvores criando jogos de contrastes de luz e sombra. O hospital passa a ter a sua própria estufa de flores, onde podia preservar as já existentes ou desenvolver novas espécies.

O projecto incluía ainda o alargamento do Museu provincial José Malhoa e a construção de um Restaurante-Bar, para substituir a esplanada, assim como a reparação do ringue de patinagem cujo pavimento há muito demonstrava necessidade de ser reparado.

Outros cuidados estéticos foram largamente utilizados embelezando espaços com fontes e tanques, aplicação de azulejos e formosas bicas de cantaria.

Logo no ano de 1950, a imprensa local tece rasgados elogios aos melhoramentos efectuados, pela sua beleza e pela oferta à população caldense e aquistas frequentadores do Hospital, tornando-o num dos atractivos da cidade de Caldas da Rainha.

Comemora-se no próximo dia 18 de Abril, o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios. O tema “Património e Clima”, procura estreitar a relação entre património cultural, através da sua salvaguarda e sensibilização do individuo, com o reconhecimento de um sentido de pertença e participação na protecção do meio ambiente. Procura-se assim contribuir para a construção de uma acção climática inclusiva, transformadora e justa.

Em causa está a construção de uma perspectiva de economia circular do ponto de vista do Património Cultural. Por um lado o reconhecimento dos danos que tem vindo a sofrer pelos efeitos do aquecimento global, alteração de ecossistemas envolventes e, por outro lado legitimar o seu papel enquanto agente na construção de uma acção climática inclusiva, transformadora e justa.

Raros são os locais que se podem orgulhar de manter um tão vasto e precioso património natural. É pois a Natureza que impera nos seus mais diversos talhes, cores e texturas, lembrando-nos que é a Matriz de todas as coisas.

A função da Mata Rainha D. Leonor e do Parque D. Carlos I prendia-se essencialmente com a componente de lazer associada ao recreio do espirito e ao descanso do corpo, elementos essenciais no receituário da hidroterapia. No entanto, ainda que a construção da cerca do Hospital não tivesse considerado a produção agrícola, devido às características das suas terras, remetendo este local para pastoreio, produção de matos, lenhas e madeiras, especialmente beneficiados por particulares medidas de protecção iniciadas com D. Leonor, esta componente não foi descurada, já que durante largos anos reservou terrenos agrícolas naquele que é hoje o Parque D. Carlos I.

A função destes espaços vai por isso muito além da fruição do local, assumindo-se como local de manutenção de toda uma comunidade envolvente, neste caso, em especial o próprio Hospital Termal, fornecendo-lhe alguns bens essenciais ao seu sustento, a par com a função de descansar a alma a todos os que o frequentavam.

Convidemo-nos pois a passear por estes locais, imersos em detalhes de cores, cheiros e sons, fruído das singularidades ímpares que nos rodeiam.

Será nesse sentido que trazemos para este ano a exposição de Bartolomeu Gusmão, a inaugurar no dia 23 de Abril. Tem como titulo “Ritornello”, remetendo o autor para um local em que o processo de ir construindo um território é dinâmico, e por vezes repetido no ritmo, até que a procura faça sentido.

Por Bartolomeu Gusmão

Os trabalhos que aqui apresento são testemunhos de uma procura por algo que, para mim, não é ainda claro. Assim, escrevo este texto na esperança de que a escrita me consiga ajudar a definir os contornos desse território. Como não sei ainda definir o objeto dessa procura resta-me tentar fazê-lo da mesma forma como faço os meus trabalhos. Ou seja, começar a ir ao encontro das coisas que gosto mais, esperando que com este exercício saia algo que comece a fazer sentido.

Gosto de tanta coisa mas, tal como no atelier, é necessário separar o pequeno desejo do grande. O grande desejo penso que é aquele onde estamos inteiros e apaixonados pelo mundo. Imediatamente vem-me à memória a presença da praia onde costumo ir, das suas falésias, do areal extenso, do céu azul, do mar imenso e do caminho de pedras sinuoso para lá chegar. Lembro-me também de muitos outros lugares. Mas o que me interessa aqui é perceber que existem alguns territórios que mexem de tal forma comigo que sinto que poderia dedicar toda uma vida a desenhá-los. Não o conseguindo fazer, é a tentativa de captar a intensidade do momento que joga na sua vez.

Nesses momentos o desenhador, o desenho, a coisa a desenhar e até a própria vontade de o fazer, desdobram-se uns nos outros. Cada um destes elementos é movido pelos restantes, entram numa dança em que cada um é capturado e transformado pelo outro.  O lugar dessa dança relaciona-se, para mim, com o conceito de Ritornello pensado pelos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guatari.

O próprio conceito é difícil de definir porque ele mesmo é dinâmico. Evoca o processo de ir constituindo um território a partir de agenciamentos de territorialização, desterritorialização e re-territorialização. No caso destes trabalhos que aqui apresento acontece uma estrutura semelhante a esta.

Começo por procurar um território, mas nunca é nas primeiras tentativas que me aproximo dele e do seu mistério. É sempre necessária uma desconstrução, uma descida ao caos. Pode ser uma coisa tão simples como minar a representação normal do que vejo como, por exemplo, desenhar com a mão esquerda, não olhar para a folha ou desenhar enquanto ando. O que me impele nunca é a imagem vista fotograficamente, mas antes as forças geradoras que a compõem. Depois, é preciso voltar a dar sentido a tudo isto. Regressar à ordem, trazer à superfície essas forças mais subterrâneas e informes, dar-lhes um lugar, arranjar-lhes um espaço adequado. Por vezes nisto surge um novo território dentro do território, um lugar mais afinado, e naturalmente todos os passos podem voltar a repetir-se, como uma música improvisada, em que cada som ao ser sucedido por outro vai simultaneamente abrindo e redefinindo o território dessa mesma música.

Nestes trabalhos, ainda que a aventura da caminhada nos leve para fora do caderno ou do espaço do atelier, existe sempre um movimento de sinal contrário, o de regressar ao espaço fechado novamente para trabalhar dentro o que veio de fora. O contrário também pode acontecer, mas o importante é perceber como estes dois lugares se conjuram um no outro.

Sinto que existe um lado hermético nesta caminhada. Enquanto escrevo este texto pego em trabalhos selecionados para a exposição e sinto que estão todos por fazer, que nenhum me deixa completamente satisfeito. Precisamente por isso preciso de parar de escrever para lhes cumprir o apelo. O apelo de regressar a eles e perceber o que a pintura me está a pedir, o que ela está a fazer e como posso potenciar isso que ela propõe. Regressar ao mesmo, mas agora melhor e de outra forma.

Esta exposição não é, portanto, o resultado de um projeto, é mais um testemunho dessa afinação ainda em curso de um processo. Passos em volta de coisas que rodeiam a minha vida, mas que pretendem ser sobre qualquer vida. Reflexões desenhadas e pintadas sobre o espanto de estar vivo, era o que gostava que fossem. Se ainda não são isso é para aí que elas apontam. O que posso dizer com certeza é que são, isso sim, o começar de uma caminhada.                                 

Bartolomeu de Gusmão

Nas origens da cidade das Caldas da Rainha, envolta de narrativas controversas, de versões distintas, ressalta a concepção de um Hospital por arbítrio de uma Rainha. O Hospital de Nossa Senhora do Pópulo, que determinou o aparecimento de um novo povoado, e que progrediu em torno das águas milagrosas da Rainha D. Leonor.

Frei Jorge de S. Paulo, provedor do Hospital, deixou-nos um Manuscrito onde nos guia pelo quotidiano desta instituição singular, deslumbrando-nos com deliciosas descrições que nos prendem a cada página, e que nos levam a vaguear pelos diversos espaços desta tão grandiosa obra. De entre os muitos relatos do cronista, encontramos referências aos “dilatados bosques, alegres jardins, férteis hortas, copados pinhais (…), depositado tudo no Coração do grandioso circuito deste generoso Hospital, cercado todo em torno de fortes muros capazes de sua segurança e guarda dos frutos que a natureza produzir e a humana indústria beneficiar”.

A existência de um vasto espaço circundante ao Hospital, integrando os referidos bosques e jardins, remonta aos tempos da fundação, às origens da cidade, e coube aos religiosos, nas suas horas de descanso, o tempo “para esse honesto fim”, assumindo os mesmos a responsabilidade do cuidado dos jardins, da plantação de árvores de fruto, transformando parte dessa área em terreno arborizado e cultivável. O autor destaca, de entre esses espaços, o “jardim dos Provedores” e o “jardim grande”, sendo este último um local de passeio agradável e fresco devido ao desenvolvimento frondoso das copas das árvores, frequentado por “fidalgos e senhoras que têm por timbre não se apartarem destes banhos sem larga vista de todo o circuito desta aprazível cerca”.

As mudanças verificadas ao longo dos séculos trouxeram consigo algumas reformas nos espaços envolventes à instituição. Foi uma das preocupações de D. João V, garantir aos convalescentes espaços para a sua recuperação. Neste sentido para além da construção da Casa da Convalescença, procurou também disponibilizar terreno para esse fim. Com a entrada no final do século, surgiram novas tendências que reforçaram a importância dos espaços exteriores. O gosto pelo passeio ao ar livre e o lazer assumem-se enquanto acção complementar à terapêutica das águas.

Esta tendência de ir a banhos a par com tomar ares no Parque, terá a sua maior evidência no século XIX, ocupando as actividades de lazer e entretenimento, grande parte das áreas do Parque e da Mata.

Os lugares hoje conhecidos por todos os caldenses, como o Parque e a Mata, passaram a constituir lugar indispensável à sociedade caldense, fornecendo a maioria da oferta lúdica de que a vila dispunha.

Muitos foram os escritores, frequentadores ou não das termas, que não ficaram indiferentes à beleza deste quadro. Ramalho Ortigão dedica à Mata algumas das suas palavras: “ fica na maior elevação da vila. O ponto de vista é encantador (…), há bancos em todos os recantos; grandes massas de vegetação; sombra espessa e tranquila. É nos encontros e nas conversações da Mata que muitas vezes se opera a revivescência do coração”.