Maternidade, Assistência e Cura
O papel da mulher no hospital

Partindo do tema iconográfico de Nossa Senhora do Leite, homenageamos o milagre da vida, o nascimento, o acto de cuidar tão próprio do feminino que habita em cada mulher.
A iconografia de Nossa Senhora abrange todas as fases da sua maternidade através da Nossa Senhora da Anunciação, da Encarnação, do Ó e do Leite, para além das diversas representações de Maria com o Menino Jesus no presépio ou no colo durante a infância.
Remonta à composição egípcia da deusa Isis, deusa da maternidade e fertilidade, a aleitar Horus (Harpócrates), cristianizada pela arte copta. O tema tornar-se-á mais popular a partir do Séc. XII, e em especial no Séc. XIV, associando-se a sua expansão ao seu significado teológico: o de Deus que, no Senhor Jesus, o Menino Lactente, assume a nossa humanidade. Em Lucas 11,27-28 pode-se ler “Bem-aventurado o ventre que Te trouxe, e os peitos que Te amamentaram”.
Surge em vários tipos de suporte como pintura, escultura e iluminura, com algumas variações no que diz respeito à posição da Virgem (em pé, sentada ou deitada), na maneira de representar os seios, e na posição do Menino que começa por estar de costas e se vai voltando para o espectador.
A temática foi amplamente representada pelos flamengos, a sua vertente realista para tal terá contribuído. A sua importação para Portugal foi natural, seguindo as correntes de então, tendo vários artistas representado esta temática.
Embora as representações da nudez nas imagens sacras fossem desencorajadas a partir do Concilio de Trento, a representação de Nossa Senhora do Leite sobreviveu no Barroco.
A imagem aqui exposta, representando Nossa Senhora da Graça, é de autoria de José Molina, Séc. XVII, tendo sido colocada na Capela de Nossa Senhora da Graça no então Hospital Termal Rainha D. Leonor.
Também no Hospital o papel da mulher sempre foi preponderante, assumindo esta, diferentes responsabilidades no processo de fundar, gerir, cuidar da “Casa” e do doente.
Memorável pelos seus vários feitos nos campos da assistência, da saúde, mas também das artes, a Rainha D. Leonor viu-se desafiada a conseguir criar um hospital numa região que, ao que tudo indica, estaria pouco povoada: Impunha-se-lhe o desafio que fundar uma instituição única até então, dando resposta a uma estratégia nacional de cuidados de saúde, mas também de importar a modernidade que se vivia nos mais modernos hospitais do renascimento Italiano.
A sua grandiosa obra não se ficou por aqui, tendo antes expandindo-se naquela que é talvez a sua maior marca e legado, as Misericórdias Portuguesas.
É no cuidar que a mulher se destaca no Livro do Compromisso do Hospital. Assinado pela Rainha em 1512. Embora as regras da “Casa” fizessem pesar sobre este género as maiores exigências de boa conduta moral, na verdade eram vários os ofícios entregues à responsabilidade da mulher.
O Compromisso refere algumas virtudes exigidas a todos os que trabalhavam no hospital, homens ou mulheres. Honestidade, “boa-vida”, honestos costumes, letrado, discreto e virtuoso, entre outras, são algumas das expressões utilizadas. O bom funcionamento tornava necessário que todos cumprissem com as suas obrigações, dando especial atenção à separação de géneros, por forma não criar distracções no cumprimento dos deveres. Os espaços eram por isso definidos em função de quem os habitava dentro da instituição. E alguns objectos ganhavam importância pela sua conotação a estas regras de clausura. É frequente a referência às chaves e fechaduras, entregues à responsabilidade da enfermeira-mor, no caso das mulheres, que tinha o encargo de cuidar e fazer cumprir as regras impostas.
Também as enfermas admitidas no hospital ficavam sob a autoridade de uma enfermeira que as “guardava e vigiava”.
O estado matrimonial era também tido em conta no momento de seleccionar oficiais, já que são poucas as vezes que encontramos mulheres solteiras a trabalhar dentro do hospital, fossem elas enfermeiras, lavadeiras, cozinheiras ou amassadeiras. Estas eram, muitas vezes, admitidas junto com o marido que servia no hospital, na correspondente ala masculina.
Hoje o papel da mulher expande-se para além de portas fechadas, e ainda que estejamos longe de um ideal de respeito universal pelo género feminino, são louváveis as conquistas alcançáveis.
De entre muitas das mulheres que com o seu esforço e dedicação marcaram a sua passagem pela história da saúde, destacamos hoje duas delas que fizeram parte do quotidiano da nossa instituição: Enfermeira Parteira Aurora do Hospital de Peniche, e a Enfermeira Dona Maria França do Hospital de Torres Vedras.
É desta forma que assinalamos o Dia Internacional da Mulher, homenageando-a na sua génese feminina, mas também na valorização do seu trabalho e cuidado pelo próximo.
Museu do Hospital e das Caldas
8 de Março de 2022